sexta-feira, 12 de junho de 2015

Daredevil, uma série altamente complexa [Segunda Visão]


"Com grandes poderes vem grandes responsabilidades". Não, este texto não será sobre o Homem-aranha, mas a frase cabe como uma luva, da mesma forma. Daredevil, Demolidor, pode entender perfeitamente o significado das palavras uma vez proferidas por Tio Ben à Peter Parker e que o marcaram para sempre.

De início, confesso que desisti da série por achá-la lenta, pouco dinâmica, mas, por uma curiosidade maior do que minha frustração inicial, a retomei, e não me arrependo. Demolidor é uma série complexa, onde se mostra a construção de um herói de maneira bem crua, forjada no calor da "Cozinha do Inferno", onde toda a trama é situada. Matt Murdock, interpretado muito bem por Charlie Cox, é um garoto que nasceu e cresceu em Hell's Kitchen com seu pai, um lutador de boxe sem grandes glórias na carreira. Mesmo assim, sua relação com o pai é de ídolo e fã. Um dia, por um infortúnio que parece apenas atigir os determinados à grandeza, Matt sofre um acidente no trânsito e um produto químico tira sua visão.

Charlie Cox em foto promocional de Daredevil.

A ironia é que, ao perder a visão, ele passa a ver o mundo como ele é: frio, quente, repleto de aromas de violência e nuances que só a maldade humana pode proporcionar. Para Matt, aquilo é inaceitável e ele se sente na obrigação moral de tornar sua cidade um lugar melhor. Não como lutador, num primeiro momento, mas como um advogado temente às leis, jogando pelas regras do sistema. Surge outra ironia: a lei é falha, e o sistema corrupto. Os anos passam e ele não vê alternativa a fazer justiça com as próprias mãos, custe o que custar. É aí que a frase de Tio Ben começa a fazer sentido; os poderes que o acidente lhe deu quando criança passam a se tornar motivo de tanto ele quanto pessoas que ama sejam alvo de criminosos, o maior deles, Wilson Fisk.

Vincent D'Onofrio deu show de atuação.

Fisk cabe um capítulo somente para si. Interpretado magistralmente por Vincent D'Onofrio, Fisk é um personagem que pode descrever a palavra complexidade tranquilamente: extremamente inteligente e calculista, Fisk sempre está um passo à frente de Matt e de quem o investiga/tenta frustrar seus planos. A vida de Fisk pode ser mostrada como um clichê de filmes de máfia; um garoto que cresceu vendo seu pai se mostrar um imbecil e sua mãe submissa sendo maltratada por ele diariamente, até o ponto em que ele não tem escolha a não ser tirar seu pai do caminho e amadurecer pela dor. A amargura, o desejo de moldar Hell's Kitchen à sua imagem e um ódio incontrolável em muitos momentos também fazem parte de Fisk que, apesar de tudo o que conquistou na vida, tem o sonho de ver a cidade como ELE acha certo, demolindo quem o atrapalhe. Eu vi um homem amargurado, triste, bruto, mas, ao mesmo tempo, um homem inteligente, elegante e refinado, cidadão do mundo e buscando sempre a perfeição.

Elden Hensson como Foggy Nelson.

Mesmo com todas as adversidades que a vida lhe impõe, Matt não está só: seu grande amigo Foggy está junto dele praticamente em todos os momentos. Foggy e ele tem uma relação que transcende os tempos da faculdade de direito, é uma relação de irmãos. São diferentes demais, mas isto parece apenas aproximá-los, como um completando o outro. Matt e Foggy protagonizam momentos de comédia, momentos de drama, decepções e esperanças no futuro da cidade e suas carreiras como advogados. São o tipo de amigos em que se encontra uma única vez na vida, e ainda se tiver muita sorte. Um amigo que representa uma família inteira, eu poderia afirmar.

Vondie Curtis-Hall como Ben Urich.

Contudo, Demolidor é uma série recheada de personagens interessantes e úteis: Ben Urich, um jornalista à moda antiga que, apesar de conhecer o sistema e temê-lo em certas ocasiões, tem como meta importunar os poderosos e trazê-los para a luz. Um cara que já passou por poucas e boas e aprendeu a ver os atalhos do jornalismo.

Deborah Ann Woll como Karen. 

Karen Page, uma garota que foi salva por Matt e tem um idealismo grande, o que a acaba unindo a Matt, Foggy e Urich em níveis diferentes, mas fazendo dela parte essencial do grupo. Karen se deixa levar pela sede de justiça e um pouco de vingança; isto a torna perigosa para si e para os demais, embora também a torne determinada a desmascarar Fisk e quem o ajude.

Rosario Dawson como Claire.

Claire Temple, uma enfermeira que conhece Matt numa situação de luta e o ajuda a se recuperar de ferimentos, a típica pessoa que "caiu de pára-quedas" na história e que não tem como sair dela, pois se envolveu demais e foi envolvida demais. Ela e Matt foram um bom par.

Toby Leonard Moore como Wesley.

Um último personagem que preciso destacar é James Wesley. Amigo pessoal, emissário, conselheiro e braço direito de Fisk, Wesley é quem o representa em reuniões com lacaios ou pessoas que Fisk não quer/pode/deve encontrar pessoalmente. Cínico, dissimulado e bastante inteligente, faz uma dupla excelente ao lado do chefe. São amigos, unidos.

Há vários outros que eu poderia destacar, mas exporia detalhes da trama e isto não acrescentaria nada ao texto; faria o oposto, estragaria as surpresas e desdobramentos. A trama de Demolidor é altamente complexa e com muito foco nas decisões de Matt, Foggy, Fisk, Urich, Karen e como cada decisão tomada afeta suas vidas de maneira definitiva. Quanto mais Matt se aproxima de ser o herói que se tornará, mais seu caminho e de todos aqueles com quem se importa se torna mais e mais tortuoso. As "Grandes Responsabilidades" que Tio Ben tão bem (trocadilho não-intencional) proferiu ecoam por todos os episódios. Se Matt quer salvar a cidade, tem de abrir mão de muita coisa que considera certa e suportar a dor de ver muitos inocentes serem massacrados pelo poder e a crueldade da rua. Mesmo ele sente que pode tombar por conta dos acontecimentos, mas algo nele o faz prosseguir. Por fim, ressalto que é uma série que deve ser vista com calma, pois seu andamento é cadenciado, e coisa demais acontece. Leva um tempinho para se acostumar.

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Preciso fazer um adendo e um agradecimento: este texto é o segundo sobre a série. Já tivemos uma análise de Daredevil à época de sua transmissão original pela Netflix muito bem escrito pelo Antonio Souza, meu parceiro de blog. Agradeço à ele pela oportunidade de poder dar minha própria opinião e por sua insistência em me fazer retomar o seriado, pois eu havia desistido. 

Segue o link do texto original e o meu OBRIGADO por me permitir também falar sobre Demolidor:

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